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Retrocesso institucional – Projeto de lei na Câmara dificulta fiscalização de contribuinte

13 de outubro de 2022

Marco Chicaroni – Presidente do Sinafresp (Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo)
Tatsuo Sasaki – Diretor de assuntos técnicos da entidade

Em “Raízes do Brasil”, Sérgio Buarque de Holanda já alertava que o Estado não deveria ser uma ampliação do círculo familiar nem a integração de certas vontades particularistas. Mas o país parece, por vezes, retroceder em princípios como a impessoalidade e flertar com o patrimonialismo.

O PLP (projeto de lei complementar) 17/2022, do deputado federal Felipe Rigoni (União-ES), em tramitação no Congresso Nacional, surge com o espírito de constranger a atuação do fisco propondo, entre outros danos, o desempate nos julgamentos dos tribunais administrativos em favor do contribuinte, associada à paridade dos representantes do fisco e dos contribuintes.

Embora o relator, deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), tivesse anunciado sua exclusão nos debates do PLP na Câmara, tal ponto inexplicavelmente permanece no projeto.

O simples julgamento de autuações fiscais por representantes dos contribuintes (grandes entidades empresariais) suscita várias questões, como o potencial conflito de interesses, que se exacerbam quando seus votos acabam prevalecendo, na prática, com a composição paritária e o desempate pró-contribuinte. Essa questão seria mitigada caso não fosse vedada a Fazenda Pública apelar à Justiça, como hoje é permitido ao contribuinte.

Alguns defensores da representação paritária evocam o “quinto constitucional”; entretanto não há semelhança, pois o quantitativo de desembargadores escolhidos por tal critério limita-se a 20% do tribunal, bem como há o inequívoco desvinculo da advocacia pelo magistrado ao assumir o cargo.

Com a aprovação do PLP, o entendimento oficial das leis tributárias não se dará pela edição de atos normativos. Mas apenas no julgamento da autuação fiscal por um colegiado com representantes empresariais, que definirá o que é ou não ilícito tributário, podendo até inovar na interpretação das leis, livre de contestação judicial.

Vale lembrar que, sendo o desvio de recursos um tema caro ao país, as consequências dos ilícitos tributários podem superar as sanções administrativas, com repercussões penais.

O projeto tenta impor a estados e municípios o fim do voto de qualidade, da mesma forma que a lei 13.988/20 o impôs ao órgão administrativo de recursos federal, o Carf (Conselho de Administração de Recursos Fiscais). O Instituto Justiça Fiscal (IJF) concluiu que, não fosse o voto de qualidade, em 2017, os R$ 60 bilhões decididos a favor da Fazenda nos julgamentos da Câmara Superior do Carf teriam sido reduzidos para R$ 26 bilhões.

O Brasil é o único país em que julgadores indicados por entidades empresariais podem cancelar autuações fiscais, segundo o IJF com dados da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Se almejamos o ingresso no organismo internacional, o país deveria adotar as melhores práticas de seus membros. A formação de tribunais de forma paritária não está entre elas, tampouco a regra de desempate pró-contribuinte.

Ainda que essa representação empresarial esteja prevista atualmente, o Sinafresp (Sindicato dos Auditores Fiscais da Receita Estadual de São Paulo) recomenda a rejeição do desempate a favor das empresas proposto pelo PLP 17/22, entre outros pontos, por estar claramente na contramão institucional de Estados desenvolvidos.

Fonte: Folha de São Paulo

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